SÃO PAULO – “Um mar calmo não faz bons marinheiros”, diz o ditado popular. Aprender a navegar em um oceano revolto pode ser bem mais produtivo. Em um período de pouco crescimento da economia como o Brasil vem enfrentando, as empresas que se destacam na gestão de pessoas sabem que, embora não haja tanto dinheiro no caixa, esse pode ser o melhor momento para treinar o efetivo e criar desafios para reorganizar a casa.
“No cenário atual, procuro orientar os líderes para focarem não no que precisamos fazer, mas no que podemos deixar de fazer para sermos uma empresa mais simples e ágil”, diz José Galló, presidente das lojas Renner, uma das empresas vencedoras de Valor Carreira. O diretor presidente da Ale Combustíveis, Marcelo Alecrim, concorda: “É preciso olhar para dentro da companhia e motivar os funcionários para que eles possam trabalhar com menos”.
Abrir espaço para que os profissionais usem a desaceleração no ritmo de trabalho para ter ideias que fortaleçam as
vantagens e corrijam os defeitos nos processos internos é um bom caminho para aumentar o engajamento. “Os
talentos devem estar envolvidos na busca dessas soluções”, diz a consultora Karin Parodi, sócia-diretora
da consultoria Career Center. Esse sentimento de adicionar valor ao negócio em um período crítico, segundo ela,
aumenta a autoestima e gera otimismo. “A equipe que está bem é mais gentil e isso ajuda, inclusive, na retenção
de clientes.”
O medo de uma iminente demissão, no entanto, fica no ar em períodos de estagnação econômica. “O clima de competição interna tende a crescer e as pessoas tentam adivinhar quem será atingido pelo corte”, diz o professor Guy Cliquet, do Insper. Quando o cenário é positivo, a empresa não se preocupa em saber quem está mais comprometido com o negócio. “Mas se as coisas não vão bem, quem permanece são os mais engajados”, diz o professor.
Para o presidente da Pfizer, Victor Mezei, os momentos de recessão são oportunos tanto para trazer talentos de fora como para aproveitar melhor os que estão disponíveis. “Programas como os de coaching e mentoring são importantes para o engajamento”, diz. O laboratório dispõe de uma ferramenta chamada “mentor match”, que dá ao funcionário a possibilidade de escolher se quer ser mentor ou se está a procura de um.
A consultora Betania Tanure afirma que, em períodos de crescimento acelerado como o que o Brasil viveu
recentemente, muitos profissionais assumiram postos de liderança sem estar preparados. “Eles não tiveram condição de completar o ciclo de aprendizado em determinada função porque não havia tempo. Agora, é o momento de revisitar as competências de quem subiu desse jeito.”
Ruy Hirschheimer, executivo-chefe da Electrolux para a América Latina, diz que garantir que as pessoas certas estejam no lugar certo é uma atribuição estratégica da área de recursos humanos, em qualquer cenário. O gatilho essencial para manter o engajamento em alta é reconhecer a participação do colaborador e envolve-lo em projetos importantes ou estabelecer metas desafiadoras. “O senso de meritocracia e justiça é fundamental, mas é preciso ficar claro que a empresa reconhece quem atravessa a turbulência engajado, uma vez que o grau de exigência nesses momentos é maior”, diz Marcelo Munerato de Almeida, CEO da Aon Brasil.
Nos últimos anos, a Cielo vem se empenhando para ter uma cultura mais meritocrática. “Criamos processos para avaliar anualmente os colaboradores e identificar aqueles que se destacam”, explica o presidente Rômulo Dias. A partir desse mapeamento, a empresa oferece uma cesta de moedas na proposta de valor do colaborador, em que o salário é apenas uma delas.
A coerência entre o discurso e a prática nesses períodos de insegurança é fundamental. Uma comunicação eficaz garante o sucesso da travessia. “A empresa deve mostrar aos colaboradores que tem estratégia e quais padrões de desempenho espera de todos”, diz a consultora Andrea Huggard Caine, da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Mas é essencial pensar na forma como tudo isso será dito na empresa. “Quem está na liderança, às vezes supõe que a mensagem está óbvia para todos, mas nem sempre é assim.”
“Uma forma de engajar os funcionários é mostrar regularmente uma análise objetiva dos riscos, qual a melhor estratégia para atravessar esse período e quais são as oportunidades de futuro”, afirma Maurício Aveiro, vice-presidente de gestão de pessoas da Embraer. E, quando medidas extremas são tomadas, tudo deve ser bem explicado. O presidente da Greif Embalagens, Flávio Carneiro, lembra quando precisou informar a venda de uma das fábricas do grupo, que não fazia parte do negócio principal. “A chave é ser transparente. As pessoas precisam saber o que está acontecendo e as razões disso”, diz.
O compromisso com a verdade é um ativo valioso. Se antes o que um diretor dizia era a única forma de se saber das coisas, a tecnologia agora se encarrega de espalhar rapidamente as notícias em diversos meios eletrônicos, incluindo as redes sociais. Cabe ao chefe imediato passar as diretrizes e reger a equipe para que a empresa reaja demaneira orquestrada contra o mau tempo. “O estresse dele é contagioso e pode minar o ânimo de todos”, diz Guy Cliquet, do Insper.
Cada empresa reage de uma forma diante do cenário econômico. “Isso influencia o comportamento dos
funcionários, que poderá ser mais ou menos construtivo”, diz Bruno Andrade, líder de consultoria
em engajamento da Aon. Quem vai dar o tom da reação da companhia às adversidades do mercado é o presidente. “A melhor maneira de engajar nossos funcionários é sendo o exemplo do que esperamos de todos”, diz Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco. Para a consultora Betania Tanure, o principal executivo deve criar uma ambição empresarial que mobilize. “Ele precisa dar uma visão de longo prazo, mas também de curto prazo para que tudo não pareça tão etéreo”, diz.
“Meu papel é estabelecer metas realistas e audaciosas, mostrar que podemos crescer mais rápido do que os
concorrentes e o país”, diz Marcos Eduardo Ferreira, presidente do grupo segurador BB e Mapfre. Quando é preciso fazer ajustes, deve estar claro que foram realizados dentro de uma proposta de valor da companhia. “A lealdade deve estar presente dos dois lados, na coerência das ações de quem está no topo e na qualidade do apoio de quem está executando”, diz Santiago Iñiguez, reitor da escola de negócios espanhola IE Business School.
A Tecnisa vem enxugando seu quadro de pessoal desde o início do ano, mas nem por isso deixou de ser eleita pelos colaboradores na pesquisa “As Melhores na Gestão de Pessoas”. “Dançamos conforme a música. Quando a empresa cresce, contrata; quando diminui, corta”, diz o CEO, Meyer Joseph Nigri. Ele afirma que o engajamento do efetivo nesse momento passa pelos benefícios, pelo bom clima interno e pelo que a empresa faz de diferente e oferece.
]
Em termos gerais, o índice de engajamento nas empresas no Brasil cresce ano após ano, segundo Bruno Andrade, da Aon. Há sinais de amadurecimento na relação entre as companhias e seus colaboradores. Existe uma preocupação maior com o equilíbrio entre qualidade de vida e trabalho, assim como mais flexibilidade de ambas as partes. Outro ponto positivo é o empenho maior das organizações em recompensar performances diferenciadas, embora boa parte dos gestores ouvidos no estudo Valor/Aon reclame que ainda faltam ferramentas para colocar a meritocracia em prática no seu dia a dia.
Em relação às oportunidades de carreira, persiste entre os brasileiros a crença de que a empresa vai mostrar ao colaborador o caminho para crescer na hierarquia. Algumas das melhores companhias na gestão de pessoas, no entanto, trabalham para tentar mudar essa percepção.
No Bradesco, onde existe a valorização da carreira interna, o diretor-executivo de Recursos Humanos, André Cano, diz que há uma preocupação em incentivar o autodesenvolvimento. O banco oferece cursos em sua universidade corporativa, mas a pessoa precisa se empenhar para ver o que é melhor para ela naquele momento. “Todos são estimulados a assumir um papel de protagonista em suas carreiras”, diz.
“A qualidade do engajamento está na intersecção de expectativas e na geração de valor mútuo entre a empresa e as pessoas”, diz Renata Spallicci, diretora de assuntos corporativos da Apsen Farmacêutica. Não é fácil transformar a crise em oportunidade. “Temos que transmitir os rumos e os valores da companhia, mostrar que mesmo diante da desaceleração ela vai se manter viva e bem”, diz Mauro Piccolotto Dottori, presidente da MPD Engenharia. O importante, nesse momento, é saber dividir as angústias, a estratégia para o futuro e a certeza de que tudo passa.
Fonte: http://www.valor.com.br/carreira/3748000/momento-certo-para-aprender-navegar
Deixar um comentário